QUEM LUTA, EDUCA: O QUE A GREVE DE 2011 ENSINOU?

18/10/2011 13:18

Com o lema “quem luta, educa”, milhares de trabalhadores da educação da rede estadual de Minas Gerais sustentaram por 112 dias a histórica greve de 2011, até que o governo cedeu prometendo negociar o piso na carreira (enfim, cumprir a lei federal 11.738/08). Para além desse avanço nas negociações, o que a luta dos professores ensinou (a quem ainda não sabia)?

Em primeiro lugar, retirou o véu que faz o Estado aparecer pairando imparcial por sobre os conflitos e ensinou sobre o caráter de parcialidade classista do Estado: burguês! É comum a noção, muito difundida pela grande mídia e por certos especialistas, de que os males que assolam a classe trabalhadora, dentre eles educação pública sucateada, deve-se à incompetência, corrupção ou fragilidade deste ou daquele governo. Contudo, a educação pública, universalizada à classe trabalhadora a partir das lutas que esta empunhou ao longo da história, é alvo de políticas que têm por objetivo mantê-la precarizada, de modo que a formação dos filhos dos trabalhadores não ultrapasse o nível, quando muito, da mera instrução, dificultando a formação crítica e emancipadora. Acontece que os trabalhadores da educação pertencem à classe antagônica à classe burguesa e, na rede pública, lidam com os filhos dos membros de sua classe, a classe trabalhadora. Sendo assim, dizer “descaso com a educação” não parece expressão adequada para designar a precarização da educação pública, uma vez que descaso aparenta ocasionalidade, ao passo que é um ataque deliberado, ataque de uma classe contra a outra. Desta maneira, a greve também ensinou sobre o lugar que a educação pública ocupa nas políticas de Estado e o porquê. Como contraposição, vemos agora a Copa do Mundo, ou melhor, a Copa da FIFA, megaevento destinado aos ricos, em primeiro lugar nas prioridades dos governos federal, estadual e municipal.

Disto resulta outro ensinamento: não há que se esperar nenhum ganho vindo gratuitamente dos governantes de plantão, pois tal Estado não é sequer para o povo quanto mais do povo, senão para dominá-lo. Os ditos representantes, na verdade, representam interesses particulares, próprios e de seus aliados; enfim, interesses privados que se realizam, além do mais, através da exploração da classe trabalhadora. Há mais de 150 anos diziam Marx e Engels, apropriadamente, que “o governo do Estado moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa”. Afinal, o que são, por exemplo, a hidrelétrica Belo Monte, a alteração do código florestal, a transposição do Rio São Francisco e a Copa da FIFA? Por isso, a greve ensinou que a classe trabalhadora só conquista melhorias de vida a partir de suas próprias lutas e só pode mudar de vida, ou melhor, mudar a vida a partir da luta contra a classe parasitária (burguesa), destituindo-a do poder.

Porém, resta resolver como alcançar tal objetivo. Fato é que a greve ensinou que as formas de luta do povo precisam avançar, embora os trabalhadores tenham conseguido resistir ao ataque sistemático deflagrado pelo governo: corte de salários, propagandas mentirosas na mídia, substituição de professores, “aulas” televisas, ameaça de demissão, repressão policial e greve considerada abusiva com multas ao sindicato. Da parte dos trabalhadores da educação, ao longo da paralisação, praticamente toda semana houve assembleia seguida de passeata e consequente obstrução do trânsito de veículos. Além dessa forma de manifestação pública, outras foram a “caça ao governador”, algumas propagandas na grande mídia, uso da internet, pedir dinheiro nas portas dos bancos, acorrentamento no “pirulito” da Praça Sete, acorrentamento no local do evento de inauguração do relógio de contagem regressiva (há quem diga repressiva) para a Copa da FIFA e, na Assembleia Legislativa, acompanhamento ostensivo e hostil do trâmite do projeto de lei do subsídio, greve de fome de dois companheiros, acampamento no saguão externo e até ocupação do plenário. Claro que estas formas foram e são importantes, pois surtiram e surtem efeito, mas é preciso considerar que o governo resistiu consideravelmente; afinal, foram 112 dias. Portanto, sem receitas, há que se aprender com estas formas, mas também encontrar e construir outras de contestação e combate à ordem vigente. Seja como for, uma coisa é certa: fundamental é a união organizada dos trabalhadores, de todas categorias, para confrontar aqueles que usurparam o direito de decidir sobre a vida.

Outra noção comum que a greve ensinou – parcialmente – ser errônea é a de que a principal função da polícia militar é a de proteger a população. Provavelmente, tal noção não foi superada, mas retirou sua pretensa “pureza” ao deixar claro que uma das principais funções da polícia militar é a de conter e reprimir as necessárias lutas do povo. Talvez agora as pessoas pensem duas vezes antes de aplaudir a repressão que a polícia realiza contra os movimentos em luta por terra, seja na cidade ou no campo. Inclusive, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e os moradores da Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy I e II (ocupações urbanas em Belo Horizonte), dentre outros movimentos em luta pela terra, estiveram apoiando a luta dos trabalhadores da educação. Para superar a noção comum, as pessoas deveriam começar por se perguntar de quem a polícia protege a população (aproveitando para perguntar quem é a população), quem ameaça a população e porque. Chegaria então a conclusão de que a polícia serve para proteger e garantir a propriedade privada burguesa - o chamado criminoso é apenas a contra-face do monopólio classista da propriedade privada. É por isso que dizem, acertadamente, que a polícia deve preservar a ordem; precisamente: a ordem da exploração da classe trabalhadora sustentada pela propriedade privada e sustentadora dela, a ordem que traz sua miséria enquanto produz as riquezas do mundo. Não é à toa que bastou os policiais militares anunciarem greve para o governo conceder, paulatinamente até 2015, aumento salarial de 100% à categoria. Como os governos de plantão não vão atender as muitas reivindicações do povo, fundamental é garantir que seu braço armado esteja satisfeito e obediente para conter e reprimir aqueles que se rebelarão ao não terem suas necessidades atendidas.

Finalmente, a greve ensinou que a propalada imparcialidade que as empresas da grande mídia se arrogam ter não passa de discurso falacioso. Isso porque são monopólios de poder que operam tal e qual os políticos profissionais: representam interesses privados. Prova é que na grande maioria das vezes, a cobertura da greve focou-se nos “transtornos” causados ao trânsito pelas passeatas realizadas pelos trabalhadores da educação ou nos prejuízos que os estudantes estavam tendo com a suspensão das aulas, deixando a entender que em ambos os casos a culpa seria dos professores. Fora as tentativas de desmoralizar o movimento e as inverdades descaradamente noticiadas. Isso para não falar daqueles veículos privados de comunicação pública que, mesmo quando a greve estava na ordem do dia, até nas conversas cotidianas descompromissadas, não pautaram uma linha sequer. Aliás, sintomático é que praticamente não foi noticiada a violenta repressão da Tropa de Choque da polícia militar contra os trabalhadores da educação no dia da inauguração do relógio de contagem regressiva (repressiva) para a Copa da FIFA.

Por tudo isso, a luta dos trabalhadores da educação deve avançar – em que pese os enormes obstáculos, inclusive de membros da própria categoria. Conquistado o piso salarial e o plano de carreira, será preciso transformar a educação pública. A crescente revolta e violência no interior da escola deve ser tratada não com mais repressão aos filhos dos trabalhadores – que significa manter a estrutura de poder intocada – e sim transformando a estrutura da própria educação pública, colocá-la sob controle popular, de maneira que esta possa atender as necessidades da classe trabalhadora. Ainda além, extrapolar para fora da escola o entendimento e a intervenção nos problemas que ocorrem em seu interior.

Quem luta, educa. Quem luta, aprende.

 

 

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