Carta de apoio à Associação Casa do Estudante de Minas Gerais

Nós, da Associação de Geógrafos Brasileiros - Seção Local de Belo Horizonte (AGB-SLBH), vimos por meio desta apresentar nossa indignação com a maneira pela qual a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) vem tratando os moradores, entidades e frequentadores da Associação Casa do Estudante de Minas Gerais (ACEMG), localizada na Rua Ouro Preto, 1421, bairro Santo Agostinho, na capital do estado.

Fundada em 1934, a AGB é uma entidade que reúne geógrafos, professores e estudantes preocupados com a promoção do conhecimento científico, filosófico, ético, político e técnico da Geografia. A Seção Local de Belo Horizonte agrega todas e todos aqueles que, através do pensamento geográfico, refletem suas ações políticas, especialmente na região metropolitana da capital mineira, e o caso em questão se insere como tal.

Atualmente, diversos estudantes que, por motivos da baixa renda e/ou distância da família, estariam impossibilitados de se dedicar aos estudos na cidade de Belo Horizonte, encontram na ACEMG uma possibilidade de vencer essas dificuldades e se manter na Universidade. Embora a Casa não possa receber todas e todos que se encontram nessa situação, constantemente são abertos editais para novos moradores, promovendo a rotatividade dos ocupantes das vagas, de tal maneira que o acesso à ACEMG seja o mais amplo possível.

Não obstante, a Casa não se fecha em si só, mas se abre para a comunidade externa, sendo frequentada por um número muito maior de pessoas do que as que lá residem. É o caso da AGB-SLBH que, desde 2012, mantém uma parceria com a ACEMG que lhe permite utilizar uma sala no prédio onde ocorrem reuniões, assembleias e eventos da entidade, além de viabilizar a manutenção de equipamentos necessários a seu funcionamento e a conservação de seu acervo documental e científico. Além da AGB-SLBH, outros grupos com diversas propostas sociais utilizam do espaço físico da Casa para realizar seus encontros. O que se vê é que a Casa pulsa vida, pois em uma semana comum ocorrem reuniões técnico-científicas, aulas de capoeira, oficinas de agricultura urbana e eventos culturais/ festivos.

Desde 1961, aquele espaço funciona para abrigar estudantes, quando um grupo de discentes construiu o prédio sobre o terreno adquirido via leilão. Entretanto, logo em 1967, a ditadura civil-militar, através do Decreto-lei nº 228, determinou que os residentes fossem despejados. Ainda em 1979 tal decreto foi revogado e o prédio permaneceu abandonado (desde o decreto) até 1985, quando os estudantes o reocuparam de forma pacífica, tendo que reformá-lo e concluir as obras.

Intrigante é que, recentemente, a UFMG lançou mão do mesmo decreto de 1967 para tentar retomar para si o espaço da Casa. Ora, são escancarados os interesses da Universidade em ser detentora de uma área em um dos metros quadrados mais caros da cidade. Mas ao avançar sobre a Casa ela contraria todos os princípios básicos de si mesma: ensino, pesquisa e extensão. O primeiro ao ir na contramão da manutenção da condição estudantil; o segundo por ignorar a presença de entidades técnico-científicas, tal qual a AGB; e o terceiro por ser um espaço em constante diálogo com a comunidade externa à Universidade. Por essas razões que no dia 21 de setembro de 2016, juiz da 21ª Vara da Justiça Federal, Daniel Carneiro Machado, julgou improcedente o pedido de Reintegração da Posse ajuizado pela UFMG contra os estudantes. Agora, caso a UFMG recorra à decisão do juiz, estará se apegando ao decreto ditatorial.

Acabar com a ditadura civil-militar, que oficialmente vigorou no Brasil de 1964 a 1985, ainda é tarefa presente. Avançamos nesse sentido, por exemplo, quando em 1º de abril de 2014, o povo mudou a denominação “elevado Castelo Branco”, primeiro ditador golpista, para “elevado D. Helena Greco”, mulher referência na luta por Direitos Humanos e Cidadania. Há dois anos e meio e alguns quarteirões de distância, é a vez da ACEMG. Cabe à UFMG escolher de que lado da história vai ficar. Se do lado daqueles que provocaram, e ainda provocam sob novas roupagens, dores como a de Iná Meireles revelada pela denúncia de que, nas masmorras da ditadura, “era cercada nua, por homens ameaçando de abuso sexual o tempo todo”. Ou se do lado daqueles que, como D. Helena Greco, entendem que “a nossa cidadania depende diretamente da nossa capacidade de indignação. Esta, por sua vez, só se concretiza a partir do exercício permanente da perplexidade”. UFMG 90 anos, oportunidade de incipit vita nova!

Belo Horizonte, 11 de Outubro de 2016