Salinização das águas e do solo no Açu: crime ambiental e expulsão da terra
Por GT de Assuntos Agrários – Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seções Rio de Janeiro e Niterói - 11.03.2013
Depois das violências, dos despejos e da destruição das restingas, novas ameaças pairam sobre os moradores de São João da Barra, onde o empresário Eike Batista está construindo o Porto do Açu com apoio dos governos estadual e federal. Estudos do Laboratório de Ciências Ambientais (LCA) da UENF, realizados entre outubro e dezembro de 2012, apontaram a salinização das águas distribuídas para o consumo humano no município e também para irrigação de lavouras. A água fornecida pela PMSJB, para os moradores da região, apresenta salinidade entre 5 e 7 vezes superior à do rio Paraíba do Sul.
Por sua vez, a água encontrada em área de pasto, na comunidade de Água Preta, possui salinidade semelhante a da água do mar, 820 vezes maior que a de água doce! Esta água é drenada para o canal Quitingute, utilizada para a irrigação de áreas agricultáveis da Baixada Campista. Segundo a Embrapa, águas de irrigação com salinidade seis vezes superior ao teor de sal da água doce podem levar à salinização dos solos. Na região tem se verificado perda de lavouras e áreas queimadas de pasto sem razões aparentes, o que pode ser indício do avançado processo de salinização. O governo do estado, por meio do INEA e a própria OSX já reconheceram a existência deste processo.
Este avanço da salinização das águas e do solo provavelmente decorre das obras do estaleiro que está sendo construído no Complexo Industrial e Portuário do Açu, uma vez que um canal de 13 km de extensão e com profundidade entre 10,5 e 14,5 metros está sendo escavado, promovendo assim a penetração de água do mar nos lençóis freáticos e nos solos da região.
Uma equipe da Associação de Geógrafos Brasileiros, que acompanha o processo de resistência e destruição na região desde 2011, constatou in loco, nos dias 23 e 24 de fevereiro de 2013 o avanço da salinização também nas terras do Açu, se deparando com depósitos de sal no solo, o que pode ser o inicio de um processo de desertificação. O sal foi depositado após a evaporação das águas dos canais e lagoas na região de Mato Escuro e pode levar o solo a infertilidade e inviabilidade agronômica. Os moradores, que já passaram a comprar água mineral para beber e cozinhar, além de não poderem mais irrigar suas terras com a água do poço, têm se deparado com a destruição do lugar e riscos à saúde. Segundo relato dos moradores locais há crianças que começam apresentar um alto teor de sal no sangue, uma vez que a água fornecida a elas na escola esta salinizada. Após as chuvas de fevereiro, diversas áreas apresentaram grande quantidade de sal depositada na superfície. De acordo com os agricultores, nos últimos cinco anos houve uma redução de cerca de 70% na produtividade agrícola das lavouras. Agora, somada à morte da lavoura, a mata começou a secar e os pássaros migraram.
Este fato reforça as críticas que outrora fizemos em relação à precariedade dos estudos de impacto ambiental, pois estes nada previram em relação a um possível processo de salinização. Se muitos já foram despejados de suas casas e terras, agora outros temem a expulsão pela inviabilidade da vida camponesa no local, causada pelas obras do Porto do Açu.
Este é mais um caso (entre tantos outros, no Brasil afora) que demonstra a necessidade de maior rigidez dos estudos ambientais, que foram insuficientes para prever os impactos nas populações atingidas.
No entanto, o que vem ocorrendo são tentativas de flexibilização da legislação ambiental, através, por exemplo, da PL 1860/2012, entregue no dia 12 de dezembro pelo governador Sérgio Cabral à ALERJ, que reduziria os casos onde os estudos são requeridos, bem como as instâncias de participação popular nos processo de licenciamento.
Diante deste panorama, apresenta-se mais uma razão para a imediata suspensão das obras do Porto do Açu, até que sejam realizados estudos de impacto ambiental mais isentos e aprofundados e que considerem o conjunto dos impactos que podem decorrer da instalação do porto e do complexo industrial previstos para a região.