UM PADRÃO DESTRUTIVO E NADA EVENTUAL

12/12/2015 20:00

Moção de Repúdio da AGB - Sessão Local Belo Horizonte à atuação da Samarco SA e à sua blindagem pela mídia e órgãos públicos

Mesmo entendendo que neste momento o silêncio seria o mais respeitoso para com aqueles que estão sofrendo pela morte e lutando pela vida, julgamos, também, ser a hora de gritar para que essas lágrimas não tenham sido em vão. A lama tirou a vida de um número ainda indefinido de pessoas, deixou centenas desabrigadas e sem terra para cultivar, causou a mortandade de espécies da fauna e flora da região em níveis estratosféricos e afetou o abastecimento de água de milhares de pessoas. A lama continua a se movimentar e a destruição só aumenta. 
Tem-se chamado de catástrofe ou de tragédia o rompimento de duas barragens de rejeitos de mineração da empresa Samarco S.A. que arrasou irreversivelmente o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG). Porém, faltam termos para descrever a gravidade do acontecimento que estamos presenciando. Talvez colapso fosse mais apropriado. Catástrofe e tragédia são termos que expressam o choque, mas vêm sendo utilizados com intuito de fazer com que este evento ganhe um ar de eventualidade, de acidente. Nós preferimos chamá-lo pelo que é: um CRIME que expõe um padrão destrutivo presente na lógica minerária. Não foi acidente e é importante frisar isto, pois as responsabilizações devem acontecer.
 

Em se tratando do contexto da bacia do Rio Doce – que por sua vez já não chegava mais à sua foz devido à enorme quantidade de água utilizada inclusive pela mineração, em sua reincidência de anos de crimes ambientais impunes – a situação chegou ao seu limite. O rio morreu. A imprevisibilidade do alcance temporal e espacial da contaminação fluvial gera incerteza e insegurança naqueles que moram nas adjacências. Nesse momento tal acontecimento está sendo (mal) noticiado, mas será que na passagem do tempo haverá a lembrança do ocorrido? É de extrema importância lutarmos para manter a memória e a mobilização contra estas empresas, para que não saiam novamente impunes deixando o rastro de milhares de vidas devastadas por sua atuação irresponsável. 
 

A atividade minerária, iniciada em fins do século XVII em nosso estado, marcada pela relação colonial e escravocrata, nunca abandonou seu ranço de exploração, violência e devastação, constituintes de seu próprio fazer. O que se vê é o lucro permanentemente vinculado a interesses abstratos dos grandes negócios globais, deixando as mazelas para as comunidades atingidas, e o prejuízo para a conta do país, já que a Samarco – metade pertencente à anglo-australiana BHP Billiton e metade à Vale (a líder no Ranking da Dívida Ativa da União, com pouco mais de R$ 40 bilhões em débitos junto ao Erário) – tem mais da metade de suas ações nas mãos de estrangeiros.
 

O slogan “Desenvolvimento com envolvimento”, ostentado no site da empresa, causa náuseas quando, na prática, o que resta para a comunidade é a submersão em um mar de lama. A racionalidade econômica parece ter engolido a sensibilidade, o respeito e a solidariedade. Que crescimento e mercado são estes, que se sobrepõem à natureza, à vida, à humanidade? Produzir muito e produzir rápido, esta é a lógica do capitalismo. Altear barragens para produzir mais e mais rejeito, produzir mais e mais minério, mesmo que o preço caia, mesmo que o crescimento diminua, mesmo que esta seja uma atividade primária de nações que reproduzem a lógica da dependência no capitalismo global. Porém, a recuperação lenta é a lógica da natureza. Vamos nos destruir até escolher. A não ser que se produza, muito rápido, a tecnologia de transformar dinheiro em água, terra e alimento. Antes de entrar em qualquer debate “técnico” a respeito do ocorrido, defendemos o direito de dizer NÃO a esta atividade predatória sob todos os sentidos do que se possa chamar humano. 
 

De toda forma, a racionalidade técnica também aponta indelevelmente o crime cometido (mais uma vez – não nos esqueçamos do triste histórico do estado de Minas Gerais de rompimentos de barragem e outros acidentes relacionados à mineração). Viemos então deixar público nosso repúdio a ação da Samarco S.A. que ignorou as indicações do Ministério Público em 2013, que apontava o risco de rompimento da barragem, assim como a ausência dos estudos necessários para o início das operações do empreendimento. 
Indignamo-nos também com a maneira que o Estado de Minas Gerais concede a licença a toque de caixa, sem o aprofundamento técnico necessário para tal. A indignação se estende com o retrocesso para o qual o governo atual caminha ao tentar fazer com que o Projeto de Lei 2946/2015 seja aprovado, ao centralizar e flexibilizar ainda mais o licenciamento ambiental no estado. Uma espécie de privatização da fiscalização. Licenciamento não é leilão. Não deve seguir a lógica empresarial da aceleração. 


Repudiamos a falta de respeito aos atingidos, com familiares desaparecidos, sem acesso à área e a nenhuma informação. Entendemos que haja blindagem da empresa pela grande mídia e por grande parte dos órgãos públicos, com atuação lenta e pronunciamentos vagos. Chamamos atenção, sobretudo, às afirmações já correntes de que a causa do rompimento da barragem foram abalos sísmicos. Pequenos tremores de terra de magnitude menor do que 3 na escala Richter são corriqueiros e não causam dano direto a barragens, a não ser que ela já estivesse instabilizada por outros fatores anteriores. É muito importante que a sociedade acompanhe de perto os estudos realizados na apuração das causas deste colapso. 
Por essas razões não cremos que a tragédia de Mariana deva ser considerada um “acidente”, como tem vinculado a grande mídia, mas, como dito, um padrão destrutivo e nada eventual.